O Porto de Santos completa 127 anos no próximo dia 2 de fevereiro. A data marca a atracação do vapor inglês Nasmith, inaugurando os primeiros 260 metros de cais construído.
A história do Porto de Santos, no entanto, começou bem antes. No período colonial, foi de Braz Cubas a ideia de transferir o porto para as águas abrigadas do estuário de Santos, facilitando a defesa contra o ataque de piratas.
O desenvolvimento da produção de café no Brasil demandou a ampliação da infraestrutura para a exportação. Em 1867, chega a estrada de ferro ligando a capital ao porto, tornando imprescindível o estabelecimento de um porto moderno e produtivo.
Em 1888, os empresários Cândido Gaffrée e Eduardo Guinle receberam o direito à construção e exploração do porto. Com este objetivo, constituíram a empresa Gaffrée, Guinle & Cia., com sede no Rio de Janeiro, mais tarde transformada em Empresa de Melhoramentos do Porto de Santos e, em seguida, em Companhia Docas de Santos.
Foi a Companhia Docas de Santos, a CDS, que promoveu seu crescimento e expansão. A diversidade no atendimento sempre foi marca registrada do complexo santista, por onde, até hoje, passam todos os gêneros de carga: açúcar, café, laranja, algodão, adubo, carvão, trigo, sucos cítricos, soja, veículos, granéis líquidos diversos, em milhões de toneladas, somando, desde 1892, mais de um bilhão de toneladas de cargas movimentadas.
Com o término, em 1980, da concessão do porto para a Companhia Docas de Santos, surge a Companhia Docas do Estado de São Paulo, a Codesp, que deu continuidade à ampliação do complexo.
Nas últimas décadas, a modernização e o aumento da capacidade dos navios exigiu novas intervenções, como a ampliação do calado no canal de navegação e nos berços de atracação, através de obras de aprofundamento, construção de novos cais e píeres e o reforço estrutural de uma grande extensão de cais concluída com a entrega do trecho entre os armazéns 12A ao 23.
O porto também passou por uma ampla reformulação de seu viário interno, nas duas margens do estuário, complementado pela modernização da avenida portuária desde o canal 4 até a Ponta da Praia, com ganhos na capacidade de tráfego e a eliminação do conflito rodoferroviário.
Ao longo do último ano, a Autoridade Portuária elaborou uma série de projetos e empreendimentos voltados ao melhoramento da infraestrutura, com destaque para o aumento do calado, recuperação de cais, melhorias e ampliação da estrutura rodoferroviária, garantindo condições necessárias à operacionalidade do Porto de Santos.
Hoje, Santos responde por cerca de 1/3 da balança comercial brasileira com mais de 133 milhões de toneladas operadas no último ano, consolidando sua posição de maior porto do hemisfério sul. “As 133,6 milhões de toneladas operadas ao longo do último ano refletem não apenas um ganho significativo para o setor, mas o indicativo de que o país vem, gradativamente, vencendo o desafio de se reerguer economicamente, algo efetivamente digno de comemoração em mais um aniversário do Porto de Santos”, afirma o diretor de Operações Logísticas, Carlos Poço.
Empreendimento foi desafio à engenharia brasileira
A história da engenharia portuária no Brasil confunde-se com a própria história da construção do Porto de Santos. Sem precedentes no país, a engenharia brasileira enfrentou grande desafio ao assumir o compromisso de consolidar um dos maiores empreendimentos até então propostos pelo então Ministério da Viação de Obras Públicas: a execução das obras de melhoramentos no Porto de Santos.
Durante anos, a construção de um porto em Santos desafiou a capacidade de realização da engenharia brasileira. No entanto, era imprescindível a necessidade de se transformar o modesto ancoradouro num porto que atendesse à demanda que surgia.
Até então, as instalações eram precárias para atender à navegação, também incerta, com veleiros, em sua maioria, utilizando-se de precárias pontes de madeira para sua atracação, com as mercadorias embarcadas e descarregadas por trabalhadores, sem qualquer aparelhagem e abrigadas em toscos armazéns.
Em 1886, se publicava o edital para as obras. A concorrência foi vencida pelo grupo formado por J. Pinto Oliveira, Cândido Gafreé, Eduardo Palassn Guinle, João Gomes Ribeiro de Avelar, Alfredo Camilo Verderato, Benedito Antonio da Silva e ribeiro, Barros e Braga.
A autorização do contrato ocorreu em julho de 1888, firmado entre o governo imperial e o grupo de concessionários, então reduzido a Cândido Gafrée e Eduardo Palassin Guinle. A partir daí, diversas cláusulas seriam alteradas, tanto em relação à extensão de trechos previstos para construção quanto aos prazos de exploração.
O prazo de concessão para exploração era de 39 anos e estabelecia a construção de um trecho entre a Rua Brás Cubas e a ponte velha da Estrada de Ferro São Paulo Railway. Após alterações através do decreto 966, de 7 de novembro de 1890, já no governo republicano, o contrato estenderia a construção para 1.130 metros de cais, até o Paquetá, incluindo a execução de uma doca destinada ao mercado de peixe, com entrada sob a linha dos trilhos. O prazo de concessão foi prolongado para exploração por 90 anos, o máximo permitido pela lei de 1869, que regulava a construção e exploração de portos no império.
Em julho de 1892, novo decreto autoriza prolongar o cais de Paquetá até Outeirinhos. Com mais essa ampliação autorizada, a extensão de cais prevista para o Porto de Santos já atingia 5.021 metros, incluindo-se aí o trecho contratado para execução na Ilha Barnabé, de 301 metros.
A atracação do cargueiro Nasmith, no primeiro trecho de 260 metros, em 2 de fevereiro de 1892, marcou a inauguração do Porto de Santos, que deixava definitivamente para o passado o comércio marítimo realizado através de primitivas pontes e trapiches.
A construção do cais santista representou um ousado desafio para a época, considerado, até então, um empreendimento irrealizável. Os insucessos anteriores e as incontáveis dificuldades estimularam homens de larga visão e notável capacidade empreendedora, liderados pelo engenheiro Guilherme Benjamin Weinschenk.
O diretor de Engenharia, Hilário Gurjão, comenta que, até hoje, grandes empreendimentos ainda demandam um grau de desafio. “Um exemplo disso são as características do estuário que, com seu traçado geométrico e o assoreamento constante, nos impõem barreiras que precisamos superar diariamente para manter boas condições de navegabilidade, garantindo o potencial de crescimento do complexo”, pontua Gurjão.
Construção do porto impulsionou a cidade
O legado que a construção do Porto ofereceu à cidade é vasto e diverso. Além da geração de emprego e renda, do papel de propulsor da economia nacional, as obras de engenharia desenvolvidas pela Docas não se restringiram a empreendimentos exclusivos de suas demandas.
Essa participação no desenvolvimento da cidade se iniciou com o resgate das condições sanitárias na região, ainda no século XIX. No ano de inauguração do primeiro trecho de cais, Santos registrava um trágico número: 1750 mortos, vitimados pela febre amarela, que já embarcava pela ferrovia rumo às várias cidades paulistas. No mesmo ano, a varíola fazia 750 óbitos na cidade.
Antes da construção do cais, a região do Valongo, então conhecida como Porto do Bispo, uma extensa área lodosa espraiava-se bem em frente ao centro da cidade, contribuindo para tornar repugnante o aspecto naquele trecho.
Além de toda importância para o desenvolvimento econômico, viabilizando o comércio marítimo e do marco que se tornou para a engenharia portuária, a construção do porto representou ainda a solução para o grande problema das epidemias que assolavam a cidade, principalmente em função da insalubridade que a área estuarina representava até o final do século XIX, juntamente com a enorme região de várzea, superada com o projeto de canalização por Saturnino de Brito e com a ação de médicos como Vital Brasil, Emílio Ribas, Carlos Chagas e outros.
Na medida em que avançavam as obras de construção do Porto de Santos, melhoravam as condições sanitárias da cidade. O Correio Paulistano, na edição de 4 de junho de 1911, publicava: “Dois elementos com especialidade têm concorrido, e poderosamente para isso, as Docas e as obras de saneamento, por meio de drenagem. Não há muito tempo, o nosso principal porto ainda se nos apresentava em condições bem precárias… Santos era um foco de febre amarela e de bexigas, que todos temiam. Só residiam lá as pessoas a isso obrigadas pelos seus próprios interesses”.
Pouco antes, na edição de 26 de dezembro de 1909, o Times de Londres analisava o empreendimento portuário: “Hoje, há uma muralha de cais que se estende desde a estação da São Paulo Railway, até os Outeirinhos, numa extensão de 4.800 metros, com espaço amplo para os grandes transatlânticos que partem da Europa com destino à América do Sul. O belo cais de granito está aparelhado com os últimos e melhores guindastes hidráulicos. O navio, trazendo ou levando 12.000 toneladas de carga, pode ser despachado em dez dias. A cidade de Santos, que em 1892 não passava de vestígio insalubre dos tempos coloniais, transformou-se com as obras do cais em conhecido porto de saúde, com belas ruas e avenidas, bonitos edifícios e trens elétricos”.
Somado à construção do cais, de sua usina hidrelétrica e ao amplo parque de instalações e oficinas de mecânica, carpintarias civil e naval, elétrica, fundição, manutenção ferroviária e edifícios para abrigar os diversos setores administrativos e operacionais, alguns autênticos patrimônios arquitetônicos, a Companhia Docas de Santos estendeu sua capacidade empreendedora em prol da cidade.
A empresa construiu os grupos escolares Docas de Santos e Cidade de Santos, este último entregue à administração municipal. A Bacia do Mercado e o canal que a interliga ao estuário também são ofertas do porto à cidade. O próprio edifício da Alfândega de Santos, instalado na Praça da República, é outro legado da administração portuária.
Nesse contexto, temos que destacar, ainda, a importância do extenso sistema viário implantado desde os primeiros anos de construção do Porto de Santos que hoje se estende desde a Ponta da Praia até a Alemoa, cobrindo, praticamente, todo o perímetro leste da cidade de Santos e à disposição do tráfego urbano que, na verdade, representa, hoje, mais da metade de sua utilização.
Trata-se, enfim, de uma herança atrelada ao próprio desenvolvimento de toda uma região, garantida em grande parte por realizações de engenharia e promovida por uma visão que extrapolou sua atividade fim, estendendo à cidade de Santos muito de capacidade empreendedora. Certamente, o principal aspecto na relação Porto-Cidade.
O diretor de Relações com o Mercado e Comunidade, José Alfredo de Albuquerque e Silva, destaca que essa relação é, ainda hoje, uma preocupação da Autoridade Portuária. “Além de ser o empreendimento de maior impacto econômico pela importância do negócio portuário e representatividade em termos de receita às administrações municipais e massa salarial na região, o Porto tem também um papel de indutor de projetos e iniciativas de aspecto social, educativo e esportivo, desenvolvido não só pela Codesp como também por outras empresas que atuam no complexo”, afirma o diretor.
Marcos na história do Porto de Santos
1892 – A atracação do vapor inglês Nasmith inaugura o primeiro trecho de 260 metros de cais construído, marcando a entrada em operação do Porto Organizado de Santos, então administrado pela Companhia Docas de Santos.
1900 – Santos foi o maior porto exportador de café do mundo, ainda hoje ostentando essa liderança.
1910 – Inauguração da usina Hidrelétrica de Itatinga, em atividade até hoje, gerando cerca de 70% da energia consumida nas instalações do Porto de Santos.
1958 – Conclusão de mais 1.261 metros de cais, no Macuco, já perfazendo o total de 7.667 metros de cais construído.
1980 – Termina a concessão da Companhia Docas de Santos. O porto passa ao governo federal com a Companhia Docas do Estado de São Paulo – Codesp.
1981 – Inauguração oficial do TECON, colocando Santos na liderança isolada em movimentação de contêineres no país, posição que ocupa até os dias atuais.
1993 – Com uma extensão de 13 quilômetros de cais e consolidado como principal porto do hemisfério sul, passa por amplo processo de modernização com a entrada da inciativa privada na operação portuária.
2019 – No ano em que completou 127 anos, o Porto de Santos, movimentando mais de 133 milhões de toneladas de carga, em 16 quilômetros de cais, é líder mundial nas exportações de açúcar, sucos, café e carne bovina, respondendo por mais de um quarto balança comercial brasileira.
SOBRE A CODESP
A Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), empresa pública vinculada ao Ministério da Infraestrutura, é a Autoridade Portuária do Porto de Santos e possui 1.400 funcionários. É responsável pelo planejamento logístico e pela administração da infraestrutura do Porto Organizado de Santos, o maior da América Latina, por onde passa quase um terço das trocas comerciais brasileiras. Com 7,8 milhões de metros quadrados, o porto está localizado a 70 quilômetros da Grande São Paulo e possui 55 terminais marítimos e retroportuários, situados em duas margens, uma em Santos (direita) e outra em Guarujá (esquerda).